domingo, 14 de fevereiro de 2010

A PREPARAÇÃO PARA OS JOGOS (NEGÓCIOS) OLÍMPICOS NO RIO DE JANEIRO E A POLÍTICA BRASILEIRA


Protesto contra remoções de favelas
Por Marília Gonçalves  - Observatório de favelas RJ
Morador da Vila Autódromo, durante a manifestação. Foto: Francisco Valdean/Imagens do Povo
Morador da Vila Autódromo, durante a manifestação.
Foto: Francisco Valdean/Imagens do Povo


São 11 horas da manhã de quarta feira, 10 de fevereiro de 2010. Um termômetro na Avenida  Presidente Vargas marca 35°C. Cerca de 200 pessoas se concentram em frente ao prédio da Prefeitura do Rio de Janeiro. São mais de 10 comunidades ali representadas, manifestando-se pela manutenção de suas moradias. Crianças, jovens e idosos. Vê-se gente de todas as idades. Elas carregam cartazes. “Paz sem remoção”, diz um deles.






A história que se vê retratada neste dia, nesta manifestação, nestas ameaças, vem de muito antes dessas pessoas existirem. Historicamente, o olhar do Estado sobre as favelas e sua população tem sido de desvalorização. Desde o início do século XX, os governos se mostram empenhados em afastar ou esconder essas pessoas, numa tentativa preconceituosa de “limpar” os cartões postais da cidade. Assim se deram os processos de remoções de cortiços – antes – e de favelas – atualmente.

Os últimos jogos pan-americanos, sediados pelo Rio em 2007, são um ótimo exemplo dessa política estatal. Os apartamentos construídos para abrigar os atletas e suas equipes (Vila Pan-americana) poderiam ter se destinado a amenizar o déficit habitacional da cidade. O que aconteceu, no entanto, foi que tais apartamentos, com o fim dos jogos, foram vendidos por cerca de R$150 mil e hoje abrigam parte da classe média da cidade. É essencial lembrar que, para a construção da Vila, três comunidades locais foram removidas para o bairro de Sepetiba sem o consentimento dos moradores.

Como se não fossem suficientes os motivos históricos, declarações de que 119 comunidades serão removidas ainda este ano preocupam os moradores. A justificativa para tal ato vai da realização de obras para as Olimpíadas de 2016 à questão ambiental. Desde que foi divulgada a intenção da Prefeitura, no início do ano pelo jornal O Globo, líderes de Associações de moradores e de movimentos sociais formaram o Movimento Olimpíada Não Justifica Remoção. O presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo, Altair Guimarães, não acredita que a questão ambiental seja o motivo real das desapropriações. “Eles tiraram alguma comunidade do Alto do Joá? Que atitudes os governantes estão tomando com relação às várias mansões que crescem nos altos das encostas? Só o pobre que agride o meio ambiente?”, questiona Altair. É na Vila Autódromo que está prevista a construção do Centro de Mídia e do Centro Olímpico de Treinamento para 2016.

 
Manifestantes em frente à Prefeitura do Rio. Foto: Francisco Valdean/Imagens do Povo
Manifestantes em frente à Prefeitura do Rio. Foto: Francisco Valdean/Imagens do Povo

O prefeito Eduardo Paes recebeu, por volta das 14h, uma comissão com 16 representantes de comunidades e movimentos que estavam presentes no ato público – entre eles, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e a Federação das Associações de Moradores de Favelas do Rio (FAFERJ). Quanto à situação da Vila Autódromo, o prefeito agendou uma reunião específica para o dia 3 de março. Em relação às demais comunidades, ele garantiu que nenhuma medida será tomada sem diálogo e acordo prévio com os moradores. O prefeito afirmou também que planeja a urbanização de todas as favelas do Rio de Janeiro, o que necessita um investimento de R$ 5 bilhões. Os manifestantes esperam que ele faça valer sua palavra.

Quem causa a desordem?
A criminalização dos movimentos sociais não é novidade para quem tem algum contato com a mídia convencional. Para quem está envolvido no movimento, no entanto, o resultado dessa criminalização aparece sempre nas respostas – nem sempre tão sutis – às manifestações.

Nesta quarta feira, os portões da prefeitura, excepcionalmente, foram fechados. “Tranque com cadeado”, dizia um guarda municipal. Cerca de 10 deles faziam a segurança dos portões, contra a ameaça dos manisfestantes, que em nenhum momento apresentaram qualquer sinal de violência.

Por volta das 13h, muitos funcionários da prefeitura ou de prestadoras de serviço que funcionam no prédio tentavam voltar do horário de almoço. Todos eles foram impedidos de entrar. Aglomeraram-se no portão, e discutiram em vão com os guardas, mais de 50 trabalhadores. Só meia hora depois o acesso de funcionários foi permitido – contribuintes que tentavam entrar por qualquer outro motivo foram barrados. “Não foi pra isso que eles foram eleitos? Não é uma democracia participativa? Por que eles não podem nos receber? Impedem a todos, indiscriminadamente, como se fôssemos todos uns bandidos”, gritava Carmelita Lopes, que tentava entrar para uma reunião de trabalho.

Na tentativa de manter a ordem que não fora quebrada pelos manifestantes, parece que a Guarda Municipal tumultuou muito mais o dia de quem passava pela Prefeitura.






VEJAM QUE PÉRORA EU ENCONTREI PARA ILUMINAR O QUE ESTÁ CAMUFLADO NA MIDIATIZAÇÃO DO FASCISMO URBANÍSTICO-MILITAR, EM PRÁTICA NO RIO DE JANEIRO PELO GOVERNADOR SÉRGIO CABRAL E O PREFEITO EDUARDO PAES EM SINISTRA ALIANÇA!




A militarização das periferias urbanas

Por Raúl Zibechi
21 de fevereiro de 2008

Versão Original: La militarización de las periferias urbanas

Traduzido por: Lívia Cavallini Dias

Programa de las Américas http://www.ircamericas.org/





As periferias urbanas dos países do terceiro mundo têm se convertido em cenários de guerra, onde os Estados tentam manter uma ordem baseada no estabelecimento de um tipo de "cordão sanitário" que consiga isolar os pobres da sociedade "normal".



"Fontes do Exército confirmaram que as técnicas empregadas na ocupação da favela Morro da Providência são as mesmas que as tropas brasileiras utilizam na missão de paz das Nações Unidas no Haití"1.



Este reconhecimento das forças armadas do Brasil explica, em grande medida, o interesse que tem o governo de Lula da Silva em que as tropas do seu país se mantenham na ilha caribenha: trata-se de pôr em prática as estratégias de contenção nos bairros pobres de Porto Príncipe (capital do Haití), que foram projetadas para serem ampliadas nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades.



Mas a notícia publicada pelo diário Estado de São Paulo vai mais longe ao desnudar a forma de operar dos militares. O general que comanda a ocupação da favela Morro da Providência por 200 soldados, William Soares, comandou a 9ª brigada de Infantaria Motorizada no Haití. Os soldados instalaram metralhadoras na "única praça da comunidade, transformada em base militar", que foram retiradas para facilitar o diálogo com a população. Na reunião com a Associação de Moradores, o general Soares "prometeu obras, festa de Natal com distribuição de presentes para as crianças, colônia de férias, projeção de filmes, atenção médica e sanitária".



Segundo informou o diário, "em contrapartida o Exército está recolhendo informações sobre a favela e seus habitantes. Os militares filmaram e fotografaram a reunião e todo o movimento das tropas". O general Soares cumpriu todas essas promessas para "aplacar a revolta dos líderes comunitários contra o projeto social previsto para a favela".



Os pobres urbanos como ameaça

O urbanista norte-americano Mike Davis analisa as periferias urbanas desde o  seu  grande compromisso com o cambio social. Uma única frase sintetiza a sua análise: "Os subúrbios das cidades do terceiro mundo são o novo cenário geopolítico decisivo"2. Assegura que os estrategistas do Pentágono estão dando muita importância ao urbanismo e à arquitetura, já que essas periferias são "um dos grandes desafios que deparará o futuro às tecnologias bélicas e aos projetos imperiais".



Com efeito, um estudo das Nações Unidas estima que um bilhão de pessoas vivem nos bairros periféricos das cidades do terceiro mundo e que os pobres das grandes cidades do mundo ultrapassam os dois bilhões, um terço da humanidade. Essas cifras se duplicarão nos próximos 15 a 20 anos, já que o crescimento da população mundial se produzirá integralmente nas cidades e 95% se registrará nos subúrbios das cidades do sul 3.



A situação é mais grave ainda do que mostram os números: a urbanização, como assinala Davis, tem se desconectado e se tornou independente da industrialização e ainda do crescimento econômico, o que implica em uma "desconexão estrutural e permanente de muitos habitantes da cidade em relação à economia formal". Por outro lado, observa que "na última década os pobres—e me refiro n ã o apenas aos dos bairros clássicos que já mostravam altos níveis de organização, mas também aos novos pobres das periferias—têm se organizado em grande escala, tanto em uma cidade iraquiana como em Ciudad Sadr ou em Buenos Aires".



Na América Latina, os principais desafios ao domínio das elites têm surgido do coração dos bairros pobres: desde o Caracazo de 1989 até a comunidade de Oaxaca em 2006. Prova disso são as revoltas populares de Assunção em março de 1999, Quito em fevereiro de 1997 e janeiro de 2000, Lima e Cochabamba em abril de 2000, Buenos Aires em dezembro de 2001, Arequipa em junho de 2002, Caracas em abril de 2002, La Paz em fevereiro de 2003 e El Alto em outubro de 2003, para mencionar apenas os casos mais relevantes.



Mais ainda: as periferias urbanas têm-se convertido em espaços desde aqueles em que os grupos subalternos lançaram os mais formidáveis desafios ao sistema, até converter-se em espécies de contra-poderes populares. Davis tem razão: o controle dos pobres urbanos é o objetivo mais importante traçado tanto pelos governos como pelos organismos financeiros globais e as forças armadas dos países mais importantes.



Muitas grandes cidades latino-americanas parecem, por momentos, à beira da explosão social e várias delas vêm explodindo nas duas últimas décadas pelos motivos mais diversos. O temor dos poderosos parece apontar a uma dupla direção: prorrogar ou impedir a explosão ou a insurreição e, por outro lado, evitar que se consolodem esses "buracos negros" fora do controle estatal onde surgem os principais desafios das elites.



As novas estratégias militares

As publicações dedicadas ao pensamento militar, assim como as análises dos organismos financeiros, dedicam nos últimos anos amplos espaços para abordar os desafios que presenteiam as massas, e a debater os novos problemas que a guerra urbana apresenta. Os conceitos de "guerra assimétrica" e de "guerra de quarta geração" são respostas a problemas idênticos aos que apresentam as periferias urbanas do terceiro mundo: o nascimento de um tipo de guerra contra inimigos não-estatais, em que a superioridade militar não exerce um papel decisivo.



William Lind, diretor do Centro para o Conservadorismo Cultural da Fundação do Congresso Livre, assegura que o Estado perdeu o monopólio da guerra e as elites sentem que os "perigos" se multiplicam. "Em quase todos os lugares, o Estado está perdendo"4. No que pese a ser partidário de abandonar o Iraque o mais rápido possível, Lind defende a "guerra total" que implica em enfrentar os inimigos em todos os âmbitos: econômicos, culturais, sociais, políticos, de comunicação e também militares.



Um bom exemplo dessa guerra de espectro total é a sua crença de que os perigos para a hegemonia estadunidense encontram-se em todos os aspectos da vida cotidiana ou, se preferir, na vida nua e crua. Por exemplo, considera que "na guerra de quarta geração, a invasão pela imigração pode ser tão perigosa como a invasão que realiza um exército de estado". Os novos problemas que nascem na raíz da "crise universal de legitimidade do Estado" põem no centro os "inimigos não-estatais". Isso o leva a concluir com uma supra advertência aos comandos militares: nenhuma força armada teve êxito frente a um inimigo não-estatal.



Este problema está no núcleo do novo pensamento militar, que deve ser reformulado completamente para encarar desafios que antes correspondiam às áreas "civis" do aparato estatal. A militarização da sociedade para recuperar o controle das periferias urbanas não é suficiente, como revela a experiência militar recente no terceiro mundo.



Os comandos militares que se desempenham no Iraque parecem ter clara consciência dos problemas que devem enfrentar. O general de divisão Peter W. Chiarelli, sobre a sua recente experiência em Bagdá no subúrbio da Ciudad Sadr, afirma que a segurança é o objetivo de longo prazo, mas que não se alcança com ações militares. "As operações de combate proporcionariam as vitórias possíveis no curto prazo (...) mas em longo prazo, seria o começo do fim. No melhor dos casos, causaríamos a expansão da insurgência"5.



Isso implica que as duas linhas de ação tradicionais das forças armadas, as operações de combate e o adestramento de forças de segurança locais, são insuficientes. Propõe-se, portanto, assumir três linhas de ação "não-tradicionais", ou seja, aquelas que antes correspondiam ao governo e à sociedade civil: oferecer serviços essenciais à população, construir uma forma de governo legítimo e potencializar o "pluralismo econômico", ou seja, a economia de mercado.



Com as obras de infra-estrutura, buscam melhorar a situação da população mais pobre e por sua vez criar fontes de emprego que sirvam para enviar-lhes sinais visiveis de progresso. Em segundo lugar, criar um regime "democrático" é considerado um ponto essencial para legitimar todo o processo. Para os comandos dos Estados Unidos no Iraque, o "ponto de penetração" das suas tropas foram as eleições de 30 de janeiro de 2005. No pensamento estratégico a democracia fica reduzida à emissão do voto.



Por último, mediante à expansão da lógica do mercado, que busca "aburguesar os centros das cidades e criar concentrações de empresas" que se convertam em um setor dinâmico que impulsione o resto da sociedade, tenta-se reduzir a capacidade de relutância dos insurgentes 6. Além disso, a população pobre das periferias urbanas será, em jargão militar, "o centro de gravidade estratégico e operacional".



Este conjunto de mecanismos é o que hoje as forças armadas da principal potência global consideram como a forma de obter "segurança verdadeira no longo prazo". Deste modo, a "democracia", a expansão dos serviços e a economia de mercado deixam de ser direitos dos cidadãos e objetivos moralmente desejáveis para se converter em engrenagens de uma estratégia de controle militar da população ou de uma região do mundo, e, portanto, de seus recursos.



Segurança e cooperação: duas caras de uma estratégia

Depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) "tem exercido um papel cada vez mais proeminente na Guerra Contra o Terrorismo"7. Os programas estadunidenses para o desenvolvimento, não se dirigem à população que mais os necessita, mas às "populações e regiões consideradas de alto risco", segundo a estratégia do Pentágono.



Para os estrategistas militares, os programas da USAID exercem um papel destacado "em negar refúgio e financiamento aos terroristas ao diminuir as condições subjacentes que fazem com que as populações locais sejam vulneráveis ao recrutamento por parte dos terroristas". Do mesmo modo, "os programas da USAID destinados a fortalecer uma governabilidade efetiva e legítima são reconhecidos como instrumentos chaves para combater a insurgência".



A estratégia do Pentágono é buscar a segurança para os Estados Unidos, e para isso utiliza a "democracia" e a "ajuda para o desenvolvimento" como meios complementares da ação militar. O coronel Baltazar afirma que "o desenvolvimento reforça a diplomacia e a defesa, reduzindo assim as ameaças de longo prazo à nossa segurança nacional ao ajudar o processo de fortalecer sociedades estáveis, prósperas e pacíficas".



Parece necessário enfatizar que a cooperação internacional, a ajuda ao desenvolvimento e o combate à pobreza—alguns dos slogans prediletos do Banco Mundial e outras agências financeiras—são apenas estratégias de controle e subordinação da população "potencialmente" rebelde ou resistente aos objetivos das multinacionais norte-americanas. A análise do Pentágono sobre a realidade africana identificou, segundo o coronel Baltazar, "as causas do extremismo", destacando entre elas a existência de "grandes populações já serem marginalizadas ou privadas do direito de voto e a exclusão do processo político como as causas chaves de instabilidade na região".



A democracia eleitoral e o desenvolvimento são necessários como forma de prevenir o terrorismo, mas não são objetivos em sí mesmo. Nos casos de países com estados débeis e altas concentrações de pobres urbanos, as forças armadas são as que ocupam durante um tempo o lugar do soberano, reconstroem o Estado e põem em marcha—de modo absolutamente vertical e autoritário—os mecanismos que asseguram a continuidade da dominação.



No Iraque, estas políticas têm sua contra-capa e complemento na edificação de grandes muros para separar dezenas de bairros de Bagdá. Segundo o escritor e arabista Santiago Alba Rico, a construção de muros em dez bairros da capital iraquiana busca que cada vizinhança se converta em um "armário blindado cujos habitantes são classificados ou abandonados em caixotes fechados e recintos isolados"8.



A lógica é muito simples: "Os bairros que não puderam ser subjugados militarmente, são amuralhados, preciptados e abandonados à sua sorte. Zonas inteiras da cidade foram delimitadas e segregadas com os moradores confinados em seu interior, submetidos a controles tão férreos—de entrada e saída—que se pode falar sem vacilo de uma política de gueto".



Em outras partes do mundo, não fazem falta muros de cimento para asilar e separar os bairros periféricos. Levantam-se muros simbólicos tecidos com base nas diferenças de cor, forma de vestir e modo de habitar o espaço. Mas os resultados e os objetivos são idênticos. Os mecanismos de controle—sejam militares, sejam ONGs para o desenvolvimento ou promotores da economia de mercado e da democracia eleitoral—aparecem entrelaçados e, em casos extremos como os bairros de Bagdá, as favelas do Rio de Janeiro ou as vizinhanças de Porto Príncipe no Haití, aparecem subordinados aos planos militares.



No Brasil, por exemplo, aplicam-se diversas formas de controle de modo simultâneo: o plano Fome Zero é compatível com a militarização das favelas. Em sua reflexão sobre o nazismo em seu texto "Sobre o conceito de história", o escritor alemão Walter Benjamin assegura que "a tradição dos oprimidos ensina que o estado de exceção em que vivemos é a regra". A política dos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 se ajusta ao conceito de "estado de exceção permanente". O "estado de exceção"—que suspende os direitos dos cidadãos e militariza zonas e países inteiros—se aplica de modo indistinto em situações e por razões muito diversas, desde problemas políticos internos até ameaças exteriores, desde uma emergência econômica até um desastre natural.



De fato, o estado de exceção se aplicou em situações como a crise econômico-financeira argentina que eclodiu em dezembro de 2001 em um amplo movimento social; para enfrentar os efeitos do furacão Katrina em Nova Orleans; para conter a rebelião dos imigrantes pobres das periferias das cidades francesas em 2005. O comum, além de circunstâncias e países, é que em todos os casos se aplica para conter os pobres das cidades.



Notas

1- Estado de São Paulo, "Exército admite uso de tática do Haití em favela do Rio", 15 de dezembro de 2007.

2- Mike Davis em http://www.rebelion.org/.

3- Mike Davis em http://www.sinpermiso.info/.

4- William Lind, ob .cit.

5- Military Review, novembro-dicembro de 2005, p.15.

6- Idem, p. 12.

7- Thomas Baltazar, citado em Military Review, ob. cit.

8- Santiago Alba Rico, ob. cit.


sobre o autor -

Raúl Zibechi é analista internacional do semanário Brecha de Montevideo, docente e investigador sobre movimentos sociais na Multiversidad Franciscana da América Latina, e assessor de vários grupos sociais. É colaborador mensal do Programa das Américas (www.ircamericas.org).



Recursos



Mike Davis, "La pobreza urbana y la lucha contra el capitalismo", entrevista, 30 de julho de 2006 em http://www.sinpermiso.info/.



Mike Davis, "Los suburbios de las ciudades del tercer mundo son el nuevo escenario estratégico decisivo", 2 de março de 2007 em http://www.rebelion.org/.



Santiago Alba Rico Ëmparedar a la resistencia", Diagonal, Madri, 10 de maio de 2007.



Thomas Baltazar (coronel) "El rol de la Agencia de Estados Unidos para el Desarollo Internacional y la ayuda para combatir el terrorismo", em Military Review, setembro-outubro de 2007.



William S. Lind, "Comprendiendo la guerra de Cuarta Generación", Military Review, janeiro-fevereiro de 2005.


E PARA CONCLUIR, UM COMENTÁRIO AO ARTIGO DE RAÚL ZIBECHI MUITÍSSIMO SIGNIFICATIVO -

Nombre y apellido: Marcelo Lorenzini zucco Fecha: Jul 14, 2008


"Sr Raúl Zibechi, sou aluno da Escola de Comando e Estado Maior do Exército e estou fazendo uma monografia donde a Guerra de Quarta Geração faz parte do tema. Gostaria de saber a sua opinião a respeito do ineditismo da Guerra de Quarta Geração, pois identifico nesta, características de conflitos já conhecidos como as guerrilhas, terrorismo, insurreições, e outras. Vejo somente novos instrumentos disponibilizados pela globalização para empreender estas conhecidas formas de se fazer as guerras. Sua posição é muito importante para poder esclarecer o meu conhecimento sobre o assunto.



Desde já agradeço pela atenção, Major Marcelo Lorenzini Zucco".



mzucco@uol.com.br


Outro artigo relacionado - 

Rio de Janeiro: control de los pobres para el negocio Olímpico

Raúl Zibechi | 13 de Janeiro de 2010
  
http://www.ircamericas.org/esp/6648







UM DEBATE ABERTO:


Por Emir Sader



Não me parece que os neoliberais queiram, de modo genérico, um Estado mínimo. O querem mínimo para a seguridade social e interferência em seus lucrativos negócios, e máximo para um terrorismo de Estado-polícial que possa conter o rastro de misérias que vão deixando.

Penso que a defesa do Estado, em si, não significaria, fatalmente, mais direitos ao povo. O novo fascismo flexível, hipermoderno e neoliberal, quer fazer da legitimidade da violência, intrínseca à natureza do Estado "democrático" de direitos, uma plataforma para agenciamentos dos interesses privatistas e legitimar o terrorismo de Estado para regulações sociais pela violência. Daí a perseguição ao trabalho informal, frentes político-jurídicas de criminalizações dos movimentos sociais e do cotidiano individual do pobre como um ser apenas dotado de necessidades e intrinsicamente violento. Nesse território, fazem a cooptação de todas as lutas transversais, levantadas pelas esquerdas, retirando-lhes todo e quaisquer caráter de classe.


O reformismo social-democrata têm acompanhado esse estilo em suas alianças com a direita, como é o caso do Choque de ordem e unidades de polícias "passificadoras" (UPPs), próprios ao fascismo carioca, teleguiado e apoiado pela mafiosa rede Globo.

O que se impõe como desafio para uma eventual centro-esquerda , se é que quer deslocar o poder para a esquerda e sair do centro, seria evitar reduzir-se às lutas transversais e políticas públicas meramente compensatórias e foquistas estigmatizando a luta de classe. Está aí a ilusão Obama como um bom exemplo. Não dá para servir, ao mesmo tempo, à dois senhores.

As lutas transversais foram pensadas como complementaridade e para potencializar a luta de classe, restrita ao campo econômico-industrial até a primeira metade do século XX, mas que, sobretudo com a terceira revolução industrial Toyotista e consequênte reestruturação produtiva, somada às crises ecológica e de civilização, impõe-se uma nova critica da economia política a partir das ciências ecológicas e da terra que tragam consequências práticas à natureza e à sociedade. O paradigma do crescimento X paradigma do desenvolvimento: uma nova radicalidade que faça justiça planetária ambiental, social e mental.



Portanto, como havia pensado Félix Guattari:

"como imaginar que máquinas de guerra revolucionária de tipo novo consigam se engastar ao mesmo tempo nas contradições sociais manifestas e nessa revolução molecular? 


  A atitude da classe política e da maioria dos militantes profissionais, quanto a esses problemas, embora reconheçam a importância desses novos domínios de contestação geralmente consiste em declarar que nada de positivo se deve esperar de imediato: 

'Primeiro, é preciso que tenhamos alcansado nossos objetivos no plano político antes de podermos intervir nessas questões de vida cotidiana, escola, relação entre grupos, convívio, ecologia, etc...' . 

Quase todas as correntes da esquerda, da extrema-esquerda, da autonomia, etc. (situação manifesta na Itália no período de 1977) se encontram nessa posição. Cada um a seu modo está disposto a explorar os "novos movimentos sociais" que se manifestam a partir dos anos 60, mas ninguém nunca se coloca a questão de se imaginar os instrumentos de luta realmente adaptados àqueles.(...)


(...) As organizações políticas e sindicais atuais aos poucos foram se tornando assimiláveis aos equipamentos de poder. Independentemente do fato de aqueles que participam delas se declararem de esquerda ou de direita, elas funcionam de acordo com o conformismo geral: trabalham para que os processos moleculares entrem em conformidade com as estratificações molares. De fato, o CMI (capitalismo mundial integrado) nutre-se desse gênero de equipamento de poder. As economias ocidentais não poderiam funcionar hoje sem os sindicatos, as comissões de fábrica, os seguros sociais, os partidos de esquerda e talvez também... os grupelhos de extrema-esquerda.


  Portanto não há muito que esperar desse lado. pelo menos na Europa. Pois em países, como por exemplo, os da América Latina esse tipo de formação talvez ainda deva desempenhar um papel importante. (Embora, também aí, as questões relativas à revolução molecular sem dúvida se colocarão com uma agudeza cada vez mais forte: questão racial, questão feminina, questão das favelas, etc.) De qualquer modo, compromissos, composições reformistas continuarão a surgir nos países capitalistas desenvolvidos. Manifestações simbólicas ou violentas continuarão a animar a atualidade. Mas nada disso nos aproximará de maneira alguma de um verdadeiro processo de transformação revolucionária. (...)



(...) Muitos dos que experimentaram o carárer pernicioso das formas tradicionais do militantismo contentam-se, hoje, em reagir de maneira mecanicamente hostil a qualquer forma de organização, e mesmo a qualquer pessoa que pretendesse, por exemplo, assumir a presidência de uma reunião, a redação de um texto, etc. Na medida em que a primeira preocupação de um movimento revolucionário fosse uma altêntica união entre as lutas molares e os investimentos moleculares, a questão da criação de instrumentos não só de informação, mas também de decisão e de organização, se colocaria de uma nova forma. (em escala microsocial, local, nacional, internacional.) Com tudo o que isso possa eventualmente implicar de rigor e de disciplina de ação, em certas situações, mas segundo métodos radicalmente diferentes dos métodos dos social-democratas e dos bolcheviques.(...)".


Fim de citação - (Félix Guattari - ed. brasiliense, 1987 - Revolução molecular: pulsações políticas do desejo, capítulo - O capitalismo mundial integrado e a revolução molecular, ítem III. Novas máquinas de guerra revolucionária, agenciamentos do desejo e luta de classe, páginas 221 - 223).

Portanto, para se pensar um Estado forte, democrático, aberto aos novos desafios revolucionários e garantidor dos direitos sociais e da natureza, é preciso ir além do limitado keynesianismo.

O Brasil têm esse potencial e destino em suas mãos.

Esse desafio está lançado neste ano eleitoral entre petistas, tucanos e verdes. 



Por Emir Sader

O problema que deveria preocupar mais a esquerda é o da sua própria reação diante da crise. Voltada para previsões catastrofistas, se esqueceu de se dedicar ao essencial: as alternativas, particularmente no Sul do mundo.

O governador do Paraná, Roberto Requiâo, argumenta que o principal foco de corrupção no Brasil está no banco central - veja no vídeo abaixo.








Por Emir Sader



(...) O neoliberalismo, ao desregulamentar a economia, promoveu uma gigantesca transferência de recursos do setor produtivo para o financeiro – sob sua forma especulativa. O endividamento dos países periféricos favoreceu a promoção desse capital a lugar privilegiado, capaz de produzir crises e desestabilização de governos, com seus ataques especulativos.

As independências – legais ou de fato – dos Bancos Centrais são expressões dessa hegemonia, assim como as altas taxas de juros, que remuneram esse capital, que por sua vez é parasitário, não produz bens, nem empregos, além de frear a capacidade de expansão da economia. As mudanças na política econômica do governo Lula, com a retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico, fortaleceram contrapesos à hegemonia do capital financeiro, mas as tensões sobre taxas de juros – entre outras – revelam como o tema está pendente.

A passagem a um outro modelo, que promova expressamente a hegemonia do setor produtivo – sob suas distintas modalidades e em distintos setores da economia – ao lugar hegemônico, é um tema pendente, do qual depende não apenas a sustentabilidade econômica do Brasil, como a geração de empregos, a disponibilidade de recursos para políticas sociais, entre outros temas chaves no destino do país. A reincorporação do Banco Central como elemento orgânico articulado com o conjunto da política econômica do governo é outra questão pendente.(...)


O Brasil destinará este ano pouco menos que 5% do PIB ao pagamento de juros da dúvida pública. É a menor fatia desde 1979. Ainda assim, premiará o rentismo com cerca de R$ 170 bilhões. O valor seria suficiente para aumentar em 13 vezes o orçamento anual do Bolsa Família em 2010; permitiria elevar o benefício médio do programa dos atuais R$ 96,00 por família para algo como R$ 1.200,00 por mês, contemplando 12 milhões de lares mais pobres do país. Muitos dos que consideram essa hipótese absurda encaram com naturalidade a destinação de quase 5% do PIB a um grupo privilegiado inferior a 30 mil famílias.
(Carta Maior e o verdadeiro custo Brasil que a ortodoxia não cita e o colunismo econômico esconde; com informações Valor; 12-02)

Nenhum comentário: